Escorpiano da Lua

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Colcha de retalhos

Nas noites úmidas do outono minha existência sentirá frio e sei que me cobrirei com a velha colcha de retalhos dos meus dias. Porque minha vida sempre foi assim, uma coleção de pequenos pedaços bem e mal vividos, meticulosamente costurados com as linhas da esperança de um sorriso melhor. E enquanto o sono reparador não chega, vou me distrair contando e revivendo cada pedaço daquela colcha.

Sei que irei passar os dedos carinhosamente pelos retalhos que considero mais belos, olhando com tristeza para as costuras esgarçadas que tentaram manter eternizada a essência desses dias que já não existem mais. Os fios se partiram e deixaram o calor da felicidade se evaporar em algum lugar do passado. Mas não que não exista a felicidade, mas ficou para sempre em mim aquela vontade de ter um pouco mais, como quem insiste em pingar gotas a mais em um copo já cheio, até que uma única gota faz transborbar o precioso líquido. E transbordando, tinge de carmim os retalhos não tão belos da minha vida.

Ah sim, porque nem só de bons momentos se faz uma existência. Existiram as mágoas, e eu magoei e fui magoado. Houveram as desavenças, porque eu agredi e fui agredido. Sem falar nas mentiras, porque mentiram para mim da mesma forma que já menti também (e atire o primeiro mouse quem nunca o fez)...

"Quem vive mente mesmo sem querer
E fere o outro não pelo prazer
Mas pela evidente razão: sobreviver..."

Agora eu sei - Zero


Sim, o trecho acima é de uma música antiga, mas eu também estou me tornando antigo, de modo que... Como é difícil para o escritor barato manter a linearidade do pensamento frente as parábolas da vida! Espero ser perdoado por isso também.

E vou tecendo os retalhos de meus dias com as linhas que tenho nas mãos. Nem sempre a costura se mostra profissionalmente boa, mas eu faço o que posso. Ou acho que faço, porque muitas vezes penso que poderia ser melhor (ou ao menos nem tão ruim), mas sempre esbarro em pequenas desculpas inventadas, farrapos de tecido que não deveriam ser aproveitados, fios de ouro que se partem.

Às vezes, meu amor, não me sinto aquecido o suficiente por esse cobertor vivencial. Não que eu sinta frio, espero que você entenda, mas tem dias que eu preciso sentir o calor que sai de mim, sem perceber que essa energia se dissipa com algo ou alguém. Talvez eu seja mais egoísta do que gostaria de ser, talvez seja sentido de sobrevivência. Quem é que pode dizer?

Por isso talvez chegue a hora de aposentar essa minha velha colcha de retalhos. Claro que não pretendo jogá-la fora, mas creio que ela ficará bem dentro do armário. Talvez eu fique melhor debaixo de um edredon novinho em folha (comprado durante um inverno particularmente rigoroso), vendo a neve que cai lentamente do outro lado da janela embaçada...

Fuga ou recomeço?

1 Comentários:

  • Respondo que é um recomeço.

    Por Anonymous Anônimo, Às 5:06 PM  

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